segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Um cappuccino num dia chuvoso

Caillebotte, Rue de Paris.
Temps de pluie, 1877.
 As gotas de chuva deixavam o céu nublado e iam em direção à superfície como se estivessem pensando em voltar. Mas não havia mais volta. Uma vez que tomaram seu rumo, não podiam mudar de sentido. Assim, elas mal podiam ser vistas. No entanto, para quem andava na rua ainda era possível senti-las. A dúvida tornou-se um sério questionamento. "Devo abrir meu guarda-chuva? Mas mal posso ver a chuva!".

Mas as gotículas se acumulavam nos fios de cabelo, deixando-o levemente arrepiado e então foi preciso decidir. "Que garoa! Vou logo abrir de uma vez por todas". Continuou caminhando até chegar ao seu destino. A chuva quase serviu de desculpa para não ir mais. Só que isso não foi o suficiente para ficar em casa. A vontade de ir até seu café favorito foi mais forte. Nada como uma bebida quentinha para fazer esquecer de tudo o que aconteceu. A semana anterior não mais voltaria a ser motivo de preocupação.

De uma coisa ela tinha certeza. Era daqui para a frente. "Ainda vou encontrar algo de bom para fazer", pensou. Afinal, seu maior medo era não ser útil. A vida até então mostrou ser tão industrial quanto a produção das roupas que vestia ou dos alimentos que comia ou dos produtos que usava. Mas ela não era uma peça de fábrica. "Não sou uma peça. Não sou uma máquina que faça qualquer coisa sob um comando. Eu penso sobre o que estou fazendo", analisou.

Alcançando o local para onde planejou estar naquela tarde, empurrou a porta de madeira e vislumbrou sua mesa habitual, escondida em um canto, próximo à janela, na parte de trás de um pequeno balcão com vasinhos de violeta. Apesar de o café não estar vazio, sua mesa estava lá esperando por ela. "Ótimo". E seguiu já pensando no que iria pedir. Um cappuccino. O burburinho estava agradável. Nem conversas muito altas, nem um silêncio perturbador. Na medida certa, ela via os demais trocarem as emoções entre eles. Sentimentos em formas de palavras que iam de uma pessoa à outra. Casais que se amavam, amigos que colocavam a conversa em dia desde os "velhos tempos", colegas de classe que discutiam o que fazer após a formatura.

Era o mundo funcionando como mais um dia qualquer. Seja como for, fazemos o mundo funcionar, mas estamos longe de sermos inanimados. Estamos longe de sermos meramente robôs correndo atrás de resultados. O cappuccino estava tão doce que nem precisou de açúcar. O chocolate e o creme já eram muito mais do que o suficiente. Aquele certamente foi um dos melhores que ela provou. A semana seguinte seria diferente. "Fiz a escolha certa", concluiu.

Na saída, pegou sua bolsa e se dirigiu ao caixa. "Ei, espera!", ouviu de um garçom. Você esqueceu um sonho na mesa. Atordoada, ela explicou que na verdade não havia pedido um sonho. "É um brinde da casa. Às vezes, mesmo sem pedir, os sonhos aparecem", ele disse com um sorrisinho.

Ao sair, ela deu uma mordida no sonho e riu. Olhou para cima e viu que já havia parado de chover.

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