quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Por que eu sou Charlie

Feito por Lucille Clerc

Na manhã desta quinta-feira, 15 de janeiro, o jornal francês "La Voix du Nord" publicou uma matéria sobre as vendas do primeiro exemplar do Charlie Hebdo após os ataques na semana passada na redação onde era produzido, em Paris, resultando na morte de 12 pessoas por terroristas. Me chamou atenção o fato do aumento das tiragens devido à repercussão que esse caso tomou internacionalmente.

Separei o seguinte trecho que fala do sucesso das vendas em Lille, no norte da França, cidade em que morei por seis meses e, portanto, gosto de acompanhar as notícias referentes a ela. (A tradução está abaixo).

"A Lille par exemple, le Furet du Nord devrait en recevoir une centaine ce mercredi, et 500 exemplaires supplémentaires dès jeudi. A 8 heures déjà, de nombreuses personnes attendaient devant le magasin... qui ouvre à 9h30. Gare Lille-Europe, le Relay qui ouvre à 6h30, n’avait plus d’exemplaires à 6h35. Les clients déçus du Furet du Nord se sont ensuite rendus à la Fnac, où plusieurs dizaines de personnes faisaient également déjà la queue. Au final, ce sont près de deux cents personnes qui attendaient l’ouverture du magasin, à 10 heures, alors qu’il n’y avait que 22 exemplaires disponibles. Dès jeudi, la Fnac de Lille disposera de 200 exemplaires." La Voix du Nord


Tradução:

Em Lille, por exemplo, a livraria Furet du Nord deveria receber cem exemplares nesta quarta-feira, e 500 suplementares na quinta. Já às 8h, muitas pessoas aguardavam em frente à loja, que abre as portas às 9h30. A loja de revistas Relay, na estação de trem Lille-Europe, que abre às 6h30, os exemplares esgotaram-se às 6h35. Os clientes decepcionados da Furet du Nord se renderem à Fnac, onde várias dezenas de pessoas faziam igualmente uma fila. No final das contas, aproximadamente 200 pessoas aguardavam a abertura da loja, às 10h, sendo que havia apenas 22 exemplares. Na quinta-feira, a Fnac de Lille disponibilizará 200.

Ou seja, o atentado só aumentou a popularidade do jornal. Isso mostra que a atitude de tentar impor respeito saiu pela culatra. Respeito é algo a ser conquistado. Eu sou Charlie não porque acho as charges engraçadas ou apropriadas, mas porque os cartunistas estavam no direito deles de desenharem o que eles quisessem. Se passaram do limite ético ou não, é outra história. Antes, a tiragem era de 60 mil. O último exemplar teve tiragem de milhões de cópias, inclusive em outros idiomas. 

Só espero que, com o tempo, sejamos capazes de respeitar nossos limites. Acredito que seja importante também respeitar a liberdade do outro. 

Se alguém te ofende, o que você faz? Ofende de volta? Mata? Se revolta? 

Eu vi algumas charges fazendo piada com a minha religião. Vi e não perdi minha fé, continuo  sendo quem sou. Minha integridade firme e forte. Mas sei que quem as desenhou é diferente e se eles acham engraçado é opinião deles. Se não pudessem publicá-las provavelmente continuariam fazendo piadas entre si e trocando os desenhos entre si e continuando a ser quem eles são. 

Quando vejo uma frase do tipo: "Nada justifica o ataque, mas...", ou "Apesar de nada justificar o ataque,...", me sinto mal... Ao invés disso, eu digo: nada justifica o ataque (ponto). 

Quanto às outras formas de violência, também acho que mereçam atenção da mídia. A falta de informações sobre o grupo Boko Haram na África me incomoda. O que estão fazendo para contê-los? Como eles conseguiram matar cerca de duas mil pessoas na Nigéria? Como não somos bombardeados por notícias sobre isso da mesma forma que outros temas? Provável haver mais notícias sobre os novos participantes do BBB compartilhadas no Facebook do que sobre esse caso da Nigéria (dentre tantas outras coisas). 

Enfim, há muito o que ser melhorado na mídia. Mas não é tirando a voz de uns que isso vá resolver, mas dando voz ao que realmente precisa.