terça-feira, 16 de outubro de 2012

Um presente para alguém




Hoje, por exemplo, fui a uma livraria passar o tempo. Havia uma aula vaga na faculdade e boa parte do tempo livre foi preenchida através da escolha de presentes, tanto um presente para mim com o dinheiro que meu avô tinha me dado no meu aniversário, quanto presentes para a minha mãe, que há poucos dias perdeu o pai (esse mesmo avô meu).

Acontece que antes, eu escolhia um presente pensando em mim também. “Se eu ganhasse isso, eu gostaria?” Hoje não faço mais isso. Penso tanto na pessoa – e quanto mais conheço o presenteado, mais isso dá certo (e mais: minha mãe é quase parte de mim...Conheço-a mais do que qualquer um) – que promovo uma análise dos principais momentos que vivemos juntos. Momentos bons, ruins, antigos e novos. Momentos que ainda nem aconteceram, mas que gosto de fazer previsões e brincar com o futuro incerto. Enfim. As nossas vidas se misturam de tal forma, que escolhemos uma série de TV para assistirmos juntas que retratade forma engraçada, triste, absurdamente diferente ou assustadoramente igual as nossas próprias vidas. (Gilmore Girls).


Foi aí que parei para pensar. Olhei alguns livros, principalmente os de história. Mas, voltemos às lembranças aos momentos bons e ruins que vivemos juntas. Mamãe é do grupo que não se adaptou às modernas formas de ouvir música. Um youtube até vai de vez em quando. Mas, essa moda de baixar de graça, ou comprar no iTunes, não pegou na rotina dela. Por muito tempo, eu tentei ensiná-la. Dizia: “mãe, agora é assim que se faz.” E nada. Ultimamente, nas nossas conversas, ela perguntava mais para si mesma do que para mim: “ninguém mais compra CD, né?”.

Foi aí. Estava na livraria, pensando nessas conversas, que percebi. Um CD. Eu simplesmente teria que dar a ela um CD de presente. Lá fui eu escolher entre tantos CDs. E, olha, vou te dizer, a experiência foi muito prazerosa. Havia muito tempo não fazia isso. Ter aquela ansiedade. Fiquei pensando no meu celular que deixei na mochila, lá na faculdade. “Se ele estivesse aqui, procuraria essas músicas pra ver se são boas”. A impressão que eu tinha é que estava mesmo em outro tempo. O glamour da dúvida de olhar para um CD e imaginar como são as músicas ali gravadas voltou pra mim!

Olhei, olhei, olhei, até que de repente um deles me chamou atenção. Estava bem ali, na sessão de jazz. O nome? Sundays in New York. O nome da cantora é Traincha. Não conhecia. A ansiedade bateu, mas sentia que deveria levá-lo. Novamente, as lembranças invadiram minha mente. Há algo sobre Nova York que liga a gente. Não é só pelo fato de gostarmos do programa Manhattan Connection, é também pela parte de uma música, que diz:

“I always wanted a real home 
With flowers on the windowsill 
But if you wanna live in New York City 
Honey you know I will”
 (Where you lead – Carole King e Louise Goffin)

http://www.americanas.com.br/produto/7494196/cd-traincha-sundays-in-new-york


Quanto aos outros presentes foi mais tranquilo. Um livro de história do Eric Hobsbawm e um livro de pensamentos, chamado “Minutos de Sabedoria”.

Quando lhe entreguei os presentes, ela ficou radiante e emocionada, principalmente porque o livrinho “Minutos de Sabedoria” ela tinha ganhado, em 1983, do meu avô. “Eu nem me lembrava desse livro. Foi papai que me deu”, ela disse. Com um dizer e tudo, lá estava uma mensagem de pai pra filha no livrinho antigo. O novo a fez lembrar o antigo.



De tarde, fiquei pensando sobre o que aconteceu. Percebi que não é como dizem: “A vida imita a arte”. Não se trata de uma imitação. A beleza da arte está na sua atemporalidade. Um exemplo está na seguinte música de The Smiths, chamada Asleep:

Sing me to sleep
Sing me to sleep
I'm tired and I
I want to go to bed
Sing me to sleep
Sing me to sleep
And then leave me alone
Don't try to wake me in the morning
'Cause I will be gone
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I will feel so glad to go
Sing me to sleep
Sing me to sleep
I don't want to wake up
On my own anymore
Sing to me
Singto me
[..]
Don't feel bad for me
I want you to know
Deep in the cell of my heart
I really want to go
There is another world
There is a better world
Well, there must be
Well, there must be
Bye bye.

Conforme escrevi numa mensagem para familiares e amigos, o meu avô nunca foi um homem de muitas palavras, mas essa música é como uma peça que faltava, como uma mensagem não dita, como um entendimento que pairava no ar. Quem bem o conhecia pôde ouvir essa música através dos seus últimos suspiros. Agora, sabemos que ele está em paz.



O que eu quero dizer é que o artista consegue criar um reflexo de quem nós somos. Mesmo aquelas pessoas que não descobriram ainda quem são – já existe alguma forma artística que as caracteriza.

Portanto, não é a vida que imita a arte, tampouco a arte que imita a vida. Elas coexistem de tal forma que uma é o reflexo da outra. E, quando você menos espera, se depara com uma série de TV, ou uma música, ou um filme, com o qual se identifica.

Comprar um presente para alguém que você ama é mais do que passar o cartão na maquininha. É fazer uma análise da trajetória de vocês e ser grato por tudo aquilo que viveram. A arte sabe disso. Ela já sabia há muito tempo. Você é que precisa encontrar nela aquilo que tanto procura. 


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