Hoje, por exemplo, fui a uma livraria passar o tempo. Havia
uma aula vaga na faculdade e boa parte do tempo livre foi preenchida através da
escolha de presentes, tanto um presente para mim com o dinheiro que meu avô
tinha me dado no meu aniversário, quanto presentes para a minha mãe, que há
poucos dias perdeu o pai (esse mesmo avô meu).
Acontece que antes, eu escolhia um presente pensando em mim
também. “Se eu ganhasse isso, eu gostaria?” Hoje não faço mais isso. Penso
tanto na pessoa – e quanto mais conheço o presenteado, mais isso dá certo (e
mais: minha mãe é quase parte de mim...Conheço-a mais do que qualquer um) – que
promovo uma análise dos principais momentos que vivemos juntos. Momentos bons,
ruins, antigos e novos. Momentos que ainda nem aconteceram, mas que gosto de
fazer previsões e brincar com o futuro incerto. Enfim. As nossas vidas se
misturam de tal forma, que escolhemos uma série de TV para assistirmos juntas
que retratade forma engraçada, triste,
absurdamente diferente ou assustadoramente igual as nossas próprias vidas. (Gilmore Girls).
Foi aí que parei para pensar. Olhei alguns livros,
principalmente os de história. Mas, voltemos às lembranças aos momentos bons e
ruins que vivemos juntas. Mamãe é do grupo que não se adaptou às modernas
formas de ouvir música. Um youtube até vai de vez em quando. Mas, essa moda de
baixar de graça, ou comprar no iTunes, não pegou na rotina dela. Por muito
tempo, eu tentei ensiná-la. Dizia: “mãe, agora é assim que se faz.” E nada.
Ultimamente, nas nossas conversas, ela perguntava mais para si mesma do que
para mim: “ninguém mais compra CD, né?”.
Foi aí. Estava na livraria, pensando nessas conversas, que
percebi. Um CD. Eu simplesmente teria que dar a ela um CD de presente. Lá fui
eu escolher entre tantos CDs. E, olha, vou te dizer, a experiência foi muito
prazerosa. Havia muito tempo não fazia isso. Ter aquela ansiedade. Fiquei
pensando no meu celular que deixei na mochila, lá na faculdade. “Se ele
estivesse aqui, procuraria essas músicas pra ver se são boas”. A impressão que
eu tinha é que estava mesmo em outro tempo. O glamour da dúvida de olhar para
um CD e imaginar como são as músicas ali gravadas voltou pra mim!
Olhei, olhei, olhei, até que de repente um deles me chamou
atenção. Estava bem ali, na sessão de jazz.
O nome? Sundays in New York. O nome
da cantora é Traincha. Não conhecia. A ansiedade bateu, mas sentia que deveria levá-lo.
Novamente, as lembranças invadiram minha mente. Há algo sobre Nova York que
liga a gente. Não é só pelo fato de gostarmos do programa Manhattan Connection, é também pela parte de uma música, que diz:
“I always
wanted a real home
With flowers on the windowsill
But if you wanna live in New York City
Honey you know I will” (Where you lead – Carole King e Louise Goffin)
With flowers on the windowsill
But if you wanna live in New York City
Honey you know I will” (Where you lead – Carole King e Louise Goffin)
http://www.americanas.com.br/produto/7494196/cd-traincha-sundays-in-new-york |
Quanto aos outros
presentes foi mais tranquilo. Um livro de história do Eric Hobsbawm e um livro
de pensamentos, chamado “Minutos de Sabedoria”.
Quando lhe
entreguei os presentes, ela ficou radiante e emocionada, principalmente porque
o livrinho “Minutos de Sabedoria” ela tinha ganhado, em 1983, do meu
avô. “Eu nem me lembrava desse livro. Foi papai que me deu”, ela disse. Com um
dizer e tudo, lá estava uma mensagem de pai pra filha no livrinho antigo. O novo a fez lembrar o
antigo.
De tarde, fiquei
pensando sobre o que aconteceu. Percebi que não é como dizem: “A vida imita a
arte”. Não se trata de uma imitação. A beleza da arte está na sua
atemporalidade. Um exemplo está na seguinte música de The Smiths, chamada Asleep:
Sing me to sleep
Sing me to
sleep
I'm tired and I
I want to go to
bed
Sing me to
sleep
Sing me to
sleep
And then leave
me alone
Don't try to
wake me in the morning
'Cause I will
be gone
Don't feel bad
for me
I want you to
know
Deep in the
cell of my heart
I will feel so
glad to go
Sing me to
sleep
Sing me to
sleep
I don't want to
wake up
On my own
anymore
Sing to me
Singto me
[..]
Don't feel bad
for me
I want you to
know
Deep in the
cell of my heart
I really want
to go
There is
another world
There is a
better world
Well, there
must be
Well, there must be
Bye bye.
Conforme escrevi numa mensagem para
familiares e amigos, o meu avô nunca foi um homem de muitas palavras, mas essa
música é como uma peça que faltava, como uma mensagem não dita, como um
entendimento que pairava no ar. Quem bem o conhecia pôde ouvir essa música
através dos seus últimos suspiros. Agora, sabemos que ele está em paz.
O que eu quero dizer é que o artista consegue criar um reflexo de
quem nós somos. Mesmo aquelas pessoas que não descobriram ainda quem são – já
existe alguma forma artística que as caracteriza.
Portanto, não é a vida que imita a
arte, tampouco a arte que imita a vida. Elas coexistem de tal forma que uma é o
reflexo da outra. E, quando você menos espera, se depara com uma série de TV,
ou uma música, ou um filme, com o qual se identifica.
Comprar um presente para alguém que
você ama é mais do que passar o cartão na maquininha. É fazer uma análise da
trajetória de vocês e ser grato por tudo aquilo que viveram. A arte sabe disso.
Ela já sabia há muito tempo. Você é que precisa encontrar nela aquilo que tanto
procura.
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